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Dependência à psicoterapia acontece ou é mito?

Para começar com uma amostra de como a dependência ocorre, começo dizendo já: não responderei a pergunta, você deverá tirar suas próprias conclusões. Mas para o leitor atento ficará claro o meu posicionamento a respeito do tema. Por que não responderei? Primeiramente por motivação de estar alinhado à proposta da psicoterapia. (Para quem quer saber melhor sobre o que se trata a psicoterapia, leia a primeira publicação do Blog Janela Interna, pela Raíssa Dias, clicando aqui).

O psicoterapeuta não se propõe a responder objetivamente aos dramas e percalços existenciais dos seus clientes, mas sim, prover um espaço para que o cliente resolva seus próprios dilemas. Caminham de mãos dadas, mas o profissional não diz à pessoa qual caminho seguir. Os psicólogos e psicólogas que assumem essa postura possibilitam à pessoa apropriar-se de sua existência. Grosso modo, refiro-me à existência como plenitude humana de escolhas que culminam para as formas de viver. Tais escolhas ocorrem das maneiras mais sutis possíveis, às quais nem todas as pessoas se permitem estarem sensíveis por diversos motivos. Por exemplo, o leitor constantemente escolhe continuar lendo este texto, que poderia parar a qualquer momento, se assim bem entendesse. Este é todo um contínuo de escolhas que estão permanentemente interligadas durante toda a vida. O filósofo Jean-Paul Sartre já dizia que estamos condenados à liberdade de escolhas.

Mas o que isso tudo tem a ver com dependência à psicoterapia? Imagine um psicoterapeuta dizendo como você deve viver, decidindo por você sua existência. Pode parecer muito bom e confortável, pois os tormentos cotidianos são atenuados dessa forma. Mas, ao mesmo tempo, não é você que toma as suas próprias decisões, e não existe nenhuma outra pessoa melhor do que você para fazê-las. O psicoterapeuta não tem acesso a todas as suas histórias, vivências e experiências, por mais que você seja um excelente contador de histórias de seus dilemas emocionais. A linguagem jamais será capaz de expressar a totalidade humana. Então, por que uma pessoa que sabe muito menos sobre sua vida do que você deve tomar suas decisões? Este é mais um dilema sobre o qual você mesmo deve refletir para decidir.

O psicoterapeuta está lá para fornecer todo suporte possível de modo que você conquiste sua liberdade, mas não está lá para definir a sua liberdade. A dependência à psicoterapia é, portanto, uma dependência existencial e restrição de liberdade.

As pessoas em atendimentos e processos psicoterapêuticos podem sentir uma grande vontade em ir conversar sobre seus dilemas, o que não quer dizer que estejam dependentes. Esta vontade é um indicador do comprometimento ao processo e ao desejo de mudança, que são essenciais para o bom andamento da psicoterapia. A dependência se revela quando a relação com o psicoterapeuta é definida por instruções e estabelecimento de normas de como se viver por parte do profissional.

Portanto, quando você fizer aquela pergunta para sua psicóloga ou psicólogo da espécie “o que devo fazer?”, e ela/ele não responder objetivamente, saiba que é um dos maiores cuidados humanos que a/o profissional está exercendo.

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