O assunto de hoje é auto-suporte
(ou auto-apoio). Escolhi este tema devido a uma reflexão pessoal à qual a prática
clínica tem constantemente me levado nos últimos anos. Não sei se é um sintoma
da nossa sociedade contemporânea, mas tenho visto com muita frequência uma
dificuldade geral das pessoas em suportar-se a si mesma (o pleonasmo é intencional),
e tendendo a buscar apoio externamente; no meio, ou no outro. E neste contexto,
a palavra suporte refere-se desde o
aspecto emocional – buscar desfazer-se da dependência emocional do outro – até aspectos
objetivos – mobilizar a energia necessária para correr atrás de seus objetivos
de vida por conta própria.
Tenho visto, a cada dia, as
pessoas buscando apoio no outro de forma exagerada, de modo a delegar ao outro
a responsabilidade de fornecer as ferramentas necessárias para seu crescimento.
Isso acontece, principalmente, devido ao modo como lidamos com nossas
frustrações. Um exemplo comum, utilizado por Perls (1977), refere-se a um
discurso usualmente feito pelos pais de querer “dar tudo” a seus filhos. Apesar
de a intenção ser boa, de que não falte nada a seus filhos para que possam
desenvolver plenamente suas possibilidades, esta é uma máxima que deve ser
pensada com cautela.¹ Oferecer sempre tudo aquilo que os filhos desejam não
permite que eles se frustrem e, por consequência, além de crescerem acreditando
que sempre vão conseguir tudo o que querem sem esforço, também não irão
desenvolver nenhuma auto-confiança, pois não aprenderam a fazer as coisas
sozinhos, e provavelmente não acreditam que conseguem. Assim, essa criança se
tornará um adulto sem auto-suporte, necessitando buscar o apoio de que
necessita externamente, nas outras pessoas. Um exemplo disso poderia ser as
pessoas que possuem extrema dificuldade em estar sós. É muito comum que essas
pessoas busquem sempre maneiras de se manter na companhia de outras, evitando estar
sozinhas, em vez de procurar compreender a dificuldade delas em lidar com a
solidão.
Como tudo em
psicoterapia tem a ver com equilíbrio, o auto-suporte promove a integração, que
é atingida por meio do equilíbrio entre suporte e frustração.² É necessário
frustrar-se para que nos vejamos obrigados a lidar com nossa própria
frustração, e assim possamos desenvolver formas criativas de seguir em frente, e
paralelamente compreendendo que, com frequência, iremos nos decepcionar e não
conseguir tudo o que queremos e da forma como queremos. Ao mesmo tempo, também
vamos ter necessidade de, em alguns momentos, buscar suporte externamente. O
que é normal, não tem nada a ver com fraqueza e, por isso, auto-suporte NUNCA
deve ser confundido com não precisar de ninguém. A criança que não recebeu
suporte suficiente dos pais dificilmente vai desenvolver auto-suporte
naturalmente, uma vez que, provavelmente, passou por inúmeras frustrações uma
atrás da outra, e isso pode levá-la ao medo de tentar e ao fechamento para o
mundo. Pode tornar-se um adulto embotado emocionalmente e incapaz de estabelecer
relações saudáveis.
Por isso, auto-suporte está
intimamente ligado a auto-responsabilização. Na nossa sociedade contemporânea,
tendemos a terceirizar os nossos atos. “Eu
não consegui aquela vaga porque o entrevistador não foi com a minha cara, e
quis me prejudicar” ou “está tudo
dando errado na minha vida porque alguém me lançou um mau-olhado”, são ótimos
exemplos de como não tomar as rédeas da própria vida e sempre atribuir o poder ao
outro. Já ouvi várias vezes o seguinte discurso: “eu só traí minha mulher
porque ela era muito ciumenta, não me deixava fazer nada”. Este é um exemplo de
como é muito mais fácil e cômodo atribuir o motivo de seus atos ao outro do que
responsabilizar-se por eles. Não moço, você traiu porque você QUIS. Ninguém te
obrigou. Sua mulher pode ser o que for, mas você teve uma escolha. Se eu estou
em um relacionamento não-saudável e acredito ser emocionalmente dependente do
meu parceiro, sempre que algum ato dele frustrar minhas expectativas, eu tendo
a acusá-lo de não me dar atenção suficiente, não me amar, não fazer nada para
me agradar, etc., e me sinto triste com isso. No entanto, é preciso questionar
onde está a minha própria responsabilidade nesta história. Pode ser, por
exemplo, no fato de manter este relacionamento ruim, não assumindo o risco de
sair dele, ou permitindo que meu parceiro me machuque dessa forma. Ninguém aqui
está dizendo que é fácil mudar, que é fácil desconstruir toda a sua vida de uma
hora para outra. Nós somos resultados da nossa própria história, e lidamos com
as situações da forma como damos conta naquele momento. A capacidade de constituir novas
significações se dá a partir da habilidade de resposta (response + ability = responsibility,
do inglês). Por isso, fazer essa reflexão e dar-se conta dos aspectos
que nem sempre estão elucidados pode ser um primeiro passo importantíssimo.
Lembrando que, como
psicoterapeutas, acreditamos na transformação. Só porque o auto-suporte não foi
desenvolvido naturalmente, não quer dizer que ele não possa ser alcançado. Aliás,
este é um dos objetivos da psicoterapia: promover maturidade, auto-suporte, por
meio do auto-conhecimento e da responsabilização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
¹ D’ACRI, Gladys; LIMA, Patrícia;
ORGLER, Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia.
São Paulo, Summus, 2012.
² YONTEF, Gary. Processo, Diálogo e Awareness: ensaios em Gestalt-terapia.
São Paulo: Summus, 1998.
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